sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Servizio del Tg1 sulla morte di Hugo Pratt

Hugo Pratt

"Veneza - Percursos com Corto Maltese" de Hugo Pratt




Na companhia de Corto Maltese, personagem emblemático da banda desenhada, e do seu criador, Hugo Pratt, o Veneziano, descubra uma outra face da Sereníssima. Os itinerários deste guia irão revelar-lhe uma Veneza oculta, aquela que o desenhador amava e na qual deambulava, longe dos percursos balizados. Ao virar de uma ruela deserta, irá descobrir o segredo de uma obra-prima da arquitectura, irá embrenhar-se nos pátios ricos em histórias, fábulas e lendas, irá passar da luz para a penumbra, da agitação para a tranquilidade e, pelo caminho, talvez se encontre com a sombra de Corto Maltese. Itinerários definidos para conhecer a cidade e descobri-la passo a passo. Ilustrações que o farão ver Veneza por um outro prisma. Mapas detalhados para cada passeio. Todos os bairros da cidade, a sua evolução e o seu ambiente. Locais secretos, desconhecidos de todos, para sair dos percursos habituais. Curiosidades e esclarecimentos culturais inéditos. Um guia prático.

 

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A Abóbada


A Abóbada é uma das Lendas e Narrativas de Alexandre Herculano. Localiza-se no ano de 1401, tendo por assunto a construção do Mosteiro da Batalha, mais concretamente, a construção da abóbada da casa do capítulo do Convento, pelo arquitecto Afonso Domingues, que a delineou, e que, apesar de cego, a concluiu, depois das obras terem sido entregues ao arquitecto Huguet e de este não ter conseguido o seu intento.

A lenda está dividida em cinco capítulos: O Cego, Mestre Huguet, O Auto, Um Rei Cavaleiro, O voto fatal.

Segundo esta lenda, Afonso Domingues quis morrer na célebre sala, em cumprimento de um voto fatal, embora não sem antes concluir com a célebre frase: “A Abóbada não caiu, a abóbada não cairá!”
Alexandre Herculano que, além de insigne escritor, foi também um notável historiador, conhecia um relato mais antigo que o inspirou. Na sua História de S. Domingos, de 1623, Frei Luís de Sousa regista uma história que os frades da Batalha então contavam: a abóbada da casa do capítulo fora levantada por três vezes; das primeiras duas vezes, caiu com grande perda de vidas, ao serem retirados os cimbres; da terceira, o rei mandou chamar, de várias prisões do reino, criminosos sentenciados a penas pesadas, com o compromisso de os libertar, caso a abóbada não os consumisse.
Herculano acrescentou um ponto a este conto, distinguindo o arquitecto português do estrangeiro, num momento de afirmação nacionalista da cultura portuguesa.
Na verdade, sabe-se hoje que a abóbada da Casa Capitular não é da autoria de Afonso Domingues, mas sim de Huguet, tendo podido ser, eventualmente, reconstruída por Martim Vasques pois acredita-se que a lenda tenha um fundo de verdade.
                                   


Intermitências da Morte



“No dia seguinte minguém morreu.”

Assim começa “As Intermitências da Morte” de José Saramago.
“De Deus e da Morte não se tem contado senão histórias, e esta é mais uma delas.”
Duas citações encontradas, aquando da leitura do livro:
“Morrer era agora a minha liberdade, e eu tinha a vida inteira para executá-la pormenorizadamente.”, Herberto Helder.
A um químico do futuro, exige Maiakowski:
“A primeira coisa que farás é ressuscitar-me, a mim que tanto amava a vida.”

No catálogo, “José Saramago: A Consistência dos Sonhos”, pode ler-se:

“O escritor referiu-se assim a este romance: “A pergunta é: o que aconteceria se fôssemos eternos? Se a morte desaparecesse de repente, se a morte deixasse de matar, muita gente entraria em pânico: funerárias, seguradoras, lares de terceira idade… E isso para não falar do Estado, que ficaria sem saber como pagar as pensões(…) a imortalidade seria um horror.”

Sem a morte, “um dia aquele dia que sempre chega” a vida e o mundo seriam um caos. Porque "sem morte não há ressurreição, e sem ressurreição não há igreja" diz a determinada altura o cardeal.

De "As Intermitências da Morte" diz Maria Alzira Seixo, que é “um romance divertido, pois que nos pode dar maior satisfação do que rir à custa da morte, a única coisa no mundo que não faz rir ninguém, a não ser em esgar ou exorcismo?”



domingo, 26 de agosto de 2012

Portugal visto por Lobo Antunes


Portugal visto por Lobo Antunes

Nação valente e imortal

Agora sol na rua a fim de me melhorar a disposição, me reconciliar com a vida. Passa uma senhora de saco de compras: não estamos assim tão mal, ainda compramos coisas, que injusto tanta queixa, tanto lamento.
Isto é internacional, meu caro, internacional e nós, estúpidos, culpamos logo os governos. Quem nos dá este solzinho, quem é? E de graça. Eles a trabalharem para nós, a trabalharem, a trabalharem e a gente, mal agradecidos, protestamos.

Deixam de ser ministros e a sua vida um horror, suportado em estóico silêncio. Veja-se, por exemplo, o senhor Mexia, o senhor Dias Loureiro, o senhor Jorge Coelho, coitados. Não há um único que não esteja na franja da miséria. Um único. Mais aqueles rapazes generosos, que, não sendo ministros, deram o litro pelo País e só por orgulho não estendem a mão à caridade. O
senhor Rui Pedro Soares, os senhores Penedos pai e filho, que isto da bondade as vezes é hereditário, dúzias deles. Tenham o sentido da realidade, portugueses, sejam gratos, sejam honestos, reconheçam o que eles sofreram, o que sofrem.
Uns sacrificados, uns Cristos, que pecado feio, a ingratidão. O senhor Vale e Azevedo, outro santo, bem o exprimiu em Londres. O senhor Carlos Cruz, outro santo, bem o explicou em livros. E nós, por pura maldade, teimamos em não entender. Claro que há povos ainda piores do que o nosso: os islandeses, por exemplo, que se atrevem a meter os beneméritos em tribunal. Pelo menos
nesse ponto, vá lá, sobra-nos um resto de humanidade, de respeito. Um pozinho de consideração por almas eleitas, que Deus acolherá decerto, com especial ternura, na amplidão imensa do Seu seio. Já o estou a ver
- Senta-te aqui ao meu lado ó Loureiro
- Senta-te aqui ao meu lado ó Duarte Lima
- Senta-te aqui ao meu lado ó Azevedo que é o mínimo que se pode fazer por esses Padres Américos, pela nossa interminável lista de bem-aventurados, banqueiros, coitadinhos, gestores que o céu lhes dê saúde e boa sorte e demais penitentes de coração puro, espíritos de eleição, seguidores escrupulosos do Evangelho. E com a bandeirinha nacional na lapela, os patriotas, e com a arraia miúda no coração. E melhoram-nos obrigando-nos a
sacrifícios purificadores, aproximando-nos dos banquetes de bem-aventuranças da Eternidade.

As empresas fecham, os desempregados aumentam, os impostos crescem, penhoram casas, automóveis, o ar que respiramos e a maltosa incapaz de enxergar a capacidade purificadora destas medidas. Reformas ridículas, ordenados mínimos irrisórios, subsídios de cacaracá? Talvez. Mas passaremos sem
dificuldade o buraco da agulha enquanto os Loureiros todos abdicam, por amor ao próximo, de uma Eternidade feliz. A transcendência deste acto dá-me vontade de ajoelhar à sua frente.
Dá-me vontade? Ajoelho à sua frente indigno de lhes desapertar as correias dos sapatos.

Vale e Azevedo para os Jerónimos, já!
Loureiro para o Panteão já!
Jorge Coelho para o Mosteiro de Alcobaça, já!

Sócrates para a Torre de Belém, já! A Torre de Belém não, que é tão feia.
Para a Batalha.

Fora com o Soldado Desconhecido, o Gama, o Herculano, as criaturas de pacotilha com que os livros de História nos enganaram.

Que o Dia de Camões passe a chamar-se Dia de Armando Vara. Haja sentido das proporções, haja espírito de medida, haja respeito.
Estátuas equestres para todos, veneração nacional. Esta mania tacanha de perseguir o senhor Oliveira e Costa: libertem-no. Esta pouca vergonha contra os poucos que estão presos, os quase nenhuns que estão presos como provou o senhor Vale e Azevedo, como provou o senhor Carlos Cruz, hedionda perseguição pessoal com fins inconfessáveis.
Admitam-no. E voltem a pôr o senhor Dias Loureiro no Conselho de Estado, de onde o obrigaram, por maldade e inveja, a sair. Quero o senhor Mexia no Terreiro do Paço, no lugar do D. José que, aliás, era um pateta. Quero outro mártir qualquer, tanto faz, no lugar do Marquês de Pombal, esse tirano.
Acabem com a pouca vergonha dos Sindicatos.
Acabem com as manifestações, as greves, os protestos, por favor deixem de pecar. Como pedia o doutor João das Regras, olhai, olhai bem, mas vêde. E tereis mais fominha e, em consequência, mais Paraíso.
Agradeçam este solzinho. Agradeçam a Linha Branca. Agradeçam a sopa e a peçazita de fruta do jantar. Abaixo o Bem-Estar.

Vocês falam em crise mas as actrizes das telenovelas continuam a aumentar o peito: onde é que está a crise, então? Não gostam de olhar aquelas generosas abundâncias que uns violadores de sepulturas, com a alcunha de cirurgiões plásticos, vos oferecem ao olhinho guloso? Não comem carne mas podem comer lábios da grossura de bifes do lombo e transformar as caras das mulheres em tenebrosas máscaras de Carnaval.

Para isso já há dinheiro, não é? E vocês a queixarem-se sem vergonha, e vocês cartazes, cortejos, berros. Proíbam-se os lamentos injustos.
Não se vendem livros? Mentira. O senhor Rodrigo dos Santos vende e, enquanto vender, o nível da nossa cultura ultrapassa, sem dificuldade, a Academia Francesa. Que queremos? Temos peitos, lábios, literatura e os ministros e os ex-ministros a tomarem conta disto.

Sinceramente, sejamos justos, a que mais se pode aspirar? O resto são coisas insignificantes: desemprego, preços a dispararem, não haver com que pagar ao médico e à farmácia, ninharias. Como é que ainda sobram criaturas com a desfaçatez de protestarem? Da mesma forma que os processos importantes em tribunal a indignação há-de, fatalmente, de prescrever. E, magrinhos, magrinhos mas com peitos de litro e beijando-nos uns aos outros com os bifes das bocas seremos, como é nossa obrigação, felizes.

(crónica satírica de António Lobo Antunes, in visão abril 2012)