terça-feira, 30 de julho de 2013

Visita dos 12-15 ao Museu da Ciência - 26 de Julho de 2013

O Pavilhão do Conhecimento – Ciência Viva é um espaço de divulgação científica e tecnológica e situa-se no edifício que, durante os 132 dias da EXPO´98, foi um dos mais emblemáticos pavilhões temáticos - o Pavilhão do Conhecimento dos Mares. Durante da Exposição Internacional de Lisboa os visitantes puderam fazer uma viagem de exploração pelos mares na sua perspectiva história, técnica e humana tendo estado exposto na nave central um barco dos estaleiros de São Jacinto.



Com efeito, o Pavilhão do Conhecimento dos Mares, com projecto arquitectónico do atelier J.L. Carrilho da Graça e com concepção expositiva do atelier ARX Portugal, foi, com os seus 2.543.914 visitantes, um dos mais visitados da EXPO´98.



A 25 de Julho de 1999 reabre as portas ao público como Pavilhão do Conhecimento – Ciência Viva e desde então pretende ser – a par dos outros espaços que no Parque das Nações continuam a desenvolver acções que diariamente mobilizam milhares de visitantes - um núcleo de interesse, um pólo de atracção e um parceiro qualificado na promoção da Educação Científica e Tecnológica na sociedade portuguesa.



Ao longo dos anos várias figuras emblemáticas visitaram este espaço de divulgação científica: António Guterres, Bill Clinton, Bill Gates, Gene Cernan, Heinz Fischer, Jorge Sampaio, José Sócrates e Manuel Paiva.































Atlier 24 de Julho de 2013- Quando a pomba do Espírito Santo nos vem comer na mão.







domingo, 28 de julho de 2013

Da-me musica 2010 - Dany Silva e Lura - Lua Nha Testemunha

TEK - Descansa em paz









Tantos anos a tocar-mos juntos e não consigo encontrar outra palavra que rime tão bem contigo. Essa palavra é LIBERDADE.Um dia em qualquer lado vamos-nos encontrar para voltarmos a tocar o o Djãozinho Cabral. Até lá descansa em paz ,porque tu sempre foste o que muitos não conseguem ser,simplesmente UM HOMEM BOM que tinha como pano de fundo a tua superior inteligência.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

AGOSTINHO DA SILVA EM SESIMBRA – Cartas a António Telmo











AGOSTINHO DA SILVA EM SESIMBRA – Cartas a António Telmo


Os anos do Brasil (1966-1968) são os do grande encontro intelectual de Agostinho da Silva com António Telmo (ao centro, na foto, na Universidade de Brasília, ladeado por sua mulher, Maria Antónia, e pelo autor de Reflexão), período em que o filósofo portuense se torna padrinho de baptismo de Anahi, filha do casal nascida em terras de Vera Cruz. Mas atrás de tempos tempos vêm e com eles outros lugares. Telmo é quem primeiro regressa à Europa, estacionando em Granada por longos meses, graças a um daqueles inusitados benefícios sabáticos em que Agostinho era pródigo. Sesimbra, porém, já o aguarda, com Tomar de permeio, como quem por aqui passasse para melhor fazer germinar o aluvião templarista da História Secreta de Portugal. Agostinho segue-lhe os passos. De perto, no espaço e no tempo. Logo em 1969, em plena Primavera marcelista, retorna à Pátria. Em Dezembro desse mesmo ano, encontramo-lo a proferir espantosa palestra na Biblioteca Municipal de Sesimbra, de que António Telmo se tornara entretanto o primeiro Director. Fala no âmbito de um ciclo de conferências que as autoridades locais do Estado Novo se hão-de apressar a encerrar. Amiúde, vem e volta a Sesimbra, onde de cada vez se queda por dias ou horas, primeiro no apartamento que Maria Violante detém no Bloco do Moinho, mais tarde no da Falésia de Argéis. Soaria presunçoso dizer que Agostinho queria estar perto de Telmo, com quem, em Brasília, empregara em conversas excelentes longas horas caminhantes. Mas parece inegável que da capital do Brasil para a da Arrábida não há visível solução de continuidade no convívio. É ainda com António Telmo em Sesimbra (antes de abalar para a gesta revolucionária da Escola do Redondo, cuja visão, consoante se infere da correspondência epistolar, tanto impressionaria Agostinho e Violante) que o autor de Um Fernando Pessoa inicia a série de colaborações em O Sesimbrense sob o título Onde a terra se acaba. Bem certo que a distância pesa. Bem certo, pois, que esse convívio sesimbrense se há-de ressentir, desde então, das ausências prolongadas de Telmo no plaino transtagano, sem jamais, todavia, se perder totalmente. Bem certo que é à mesa do Café Águias de Ouro, em Estremoz, que há-de ser escrita a História Secreta. Mas se o retiro duradouro no Alentejo propicia o isolamento, a solidão e o silêncio indispensáveis à obra criadora de quem medita, pense e escreve, o eterno retorno arrábido do filósofo de Arte Poética renova-lhe, em cada momento de inquietude, as fecundas infusões de um diálogo em que Rafael Monteiro e António Reis Marques, entretanto chegados ao convívio agostiniano, se tornam partícipes, seja na Vila ou no Castelo. A carta de Agostinho da Silva para António Telmo, datada de 27 de Junho de 1977, que agora republicamos – saiu já a lume em António Telmo, terceiro volume dos Cadernos de Filosofia Extravagante –, e em que justamente se aborda a História Secreta, é a este propósito um documento precioso e esclarecedor.

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27.6.77

Caríssimo António Telmo

Penso que o seu livro, que li logo num dos primeiros exemplares, emprestado pelo nosso Rafael, tem três aspectos, implícitos e/ou explícitos: o de que só é válida a história de Portugal que coincida com o Centro do Mundo ou, por outras palavras, que sirva a política de Deus; o de que só cumpre plenamente o seu dever de Português quem nisto se inicia, qualquer que seja o rito em que o faz e quem, pelo que seja e faça, restitua ao Templo a pedra retirada ou lhe retire o pseudónimo (ou heterónimo) com que, no Templo, o salvou D. Dinis (e esta parte do seu livro se liga à conversa em Sesimbra no dia 1 de Janeiro deste 77); a decifração de tudo isto através do documento de arquitectura ou de escrita, para mim o aspecto de menor interesse, já que não podendo pensar o mundo sem Deus, não creio válido nenhum dos argumentos com que lhe pretendem provar a existência: provar é para o racional, e não é esse o alicerce do seu livro, nem o de Portugal. Deu-me grande gosto ver que coloca a fractura de Portugal no século XVI, e ainda maior o de ficar pensando que a sua data é mais certa do que a minha (1578). Esta última só tem a vantagem de chamar a atenção para um facto em que, acho eu, se não reparara bastante: o de que a história do País se transfere nessa altura para o Brasil: os iniciados ou iniciáveis para lá passaram; como, no século XIX, o que restava passou à África (basta lembrar Mouzinho). Quanto a 78, vou julgar [que] ele marcará o fim da maré baixa e o bater da primeira vaga da preiamar. Tudo será ainda mais difícil, claro está, mas brilhará, esperemos, o que já é muito. Um dia Amigo, conversaremos sobre tudo isto. Até lá, o grande abraço grato, por mim e pela Nação, do

A.S

A medida nem sempre foi a da visita de médico, qual a que Agostinho da Silva descreve no final da carta a José Flórido, que, retirada de Um Agostinho da Silva, agora republicamos. Desde o início da década de setenta do século passado, o filósofo vinha a Sesimbra algumas vezes por ano, para aqui se demorar variamente. Não raro, era todo o Agosto que lhe transcorria na Piscosa, quando Maria Violante e as sobrinhas por cá estacionavam em vilegiatura. Mas António Reis Marques testemunha-lhe igualmente, ao longo das quatro estações, outras permanências mais ou menos prolongadas, ora destinadas ao recolhimento meditativo na solidão pacífica do Bloco do Moinho ou, mais tarde, do apartamento na falésia de Argéis; ora ao convívio com os Amigos, onde, com António Telmo, avultam o já referido Reis Marques, Luís Paixão e, sobretudo, esse extraordinário Rafael Monteiro de que a missiva agostiniana nos dá um retrato grande: impressivo e impressionante. Chegado de Lisboa no carro de carreira que o deixava na Avenida da Liberdade, esse prolongamento urbano do axis mundi sesimbrense, e logo que instalado nos aposentos, Agostinho fazia-se andarilho, palmilhava, infatigável, os caminhos sem parança, do Moinho ou da Falésia derivando para o Castelo, trepando ágil o morro íngreme onde o esperava a ridente bonomia de Rafael.

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22.6.78

Caríssimo Amigo

Estava para lhe escrever, a dizer quanto gostei de estar com o “grupo de Belém”, quando chegou sua carta com o convite para Sesimbra. Foi uma grande ideia: além do interesse na discussão ou exame de uma série de problemas, põe-se, e sobretudo, o da vinda de Rafael Monteiro, sem dúvida muito acima do nível médio pela inteligência e pelo saber; mas no lugar mais alto pela segurança do carácter, pelo espírito de sacrifício, pela lealdade, que nada apela, a valores essenciais. É um contacto de que o grupo sairá robustecido e ainda mais confiante, se possível, no futuro, que é sempre fabricado – e quantas vezes contra o grande número, por homens como Rafael, firmes no seu isolamento, eloquentes no seu silêncio (o que não quer dizer que o nosso Amigo não grite mesmo quando necessário), pessoa mais que digna de continuar os que levantaram e defenderam aquele castelo e aquela cerca. Por tudo isto, e pelo (?) feito de participar do grupo, iria a Sesimbra com todo o empenho e todo o prazer, simplesmente, sábado, domingo, são dias difíceis para mim, sobretudo o domingo, reservado a visitar pessoas de família que estão doentes (?) num restabelecimento possível (?), e a ver um pouco o único neto meu que vive em Lisboa. E, nos dias de semana, as coisas têm sido tão estritas, que nem tenho tido possibilidade de visitar Rafael Monteiro ou de o ver no café: é chegar de camioneta, enfiar para os gatos, correr para a camioneta. Não há nada como estar reformado para não ter tempo. De qualquer modo, muito obrigado pela carta – e é como se fosso convosco.

Abraço afectuoso do

Agostinho



O Horóscopo de Agostinho da Silva












O Horóscopo de Agostinho da Silva


AGOSTINHO DA SILVA EM SESIMBRA




O Horóscopo de Agostinho da Silva
No filme que fizeram sobre a vida de Agostinho da Silva, há, logo de início, um momento em que ele aparece a dizer mais ou menos isto:

“Nasci no Porto, mas onde eu queria nascer era em Barca de Alva, pois antes de nascer foi a ela que escolhi. Os deuses que movem os astros quiseram fazer a minha vontade, mas como se trata de relações de grandes movimentos não conseguiram ser exactos e daí o Porto em vez de Barca de Alva.”

O que Agostinho continuaria a dizer, se aquilo não fosse um filme, ou que terá continuado a dizer e que o filme não registou é que, tendo nascido no Porto e, logo, muito pequenino, tenha ido com os pais para Barca de Alva, não fez mais do que lançar-se ao mar, afastando-se do porto numa barca capitaneada pela deusa do nascer do dia.

Para quem lê Platão e, para o que vem ao caso, a República ou como quer o seu melhor tradutor, o Elísio Gala, a Politeia, é-lhe fácil calcular que, ao dizer aquilo de ter escolhido Barca de Alva, Agostinho da Silva tinha presente o mito de Er, mediante o qual Platão ensina que as almas, preexistentes à vida na terra, escolhem, cada uma delas, o que gostariam de ter nesta vida, não só o lugar, mas o que daí se segue até morrer.

Assiste-me então o direito, nesta conversa convosco, de pegar na carta astral de Agostinho da Silva para nela procurar ver aquilo que de essencial ele escolheu para que a sua vida na terra seguisse de acordo com o seu mais fundo desejo que foi, como se verá, o de moldá-la pelo arquétipo da alva.

Da alva ou da navegação? Sem dúvida de ambas, como se significa no nome da terra em que nasceu, iluminado do nome da terra para onde foi viver. O que será confirmado pelo horóscopo.

Vou tentar interpretá-lo seguindo dois caminhos combinados um com o outro: o caminho dos astrólogos que tomarei consultando um bom livro da especialidade e o caminho da razão poética ou da mitologia, porquanto é à mitologia que os astrólogos vão buscar os nomes dos astros e dos signos.

Comece-se, pois, pelo tal livro de Astrologia. O leitor que conviveu com Agostinho da Silva pessoalmente ou através do que ele fez, disse e escreveu ficará de certo impressionado por ver que tudo condiz entre horóscopo e horoscopado. Referirei apenas o essencial:



1. Sol em Aquário:

Aberto às ideias de vanguarda, vê as relações humanas de uma forma despreconceituosa e informal.

2. Mercúrio em Aquário:

Intuição, rapidez e inteligência fulgurante.

Inventivo e aberto às ideias novas.

3. Lua em Balança:

Atracção pela música e pela poesia.

4. Marte em Carneiro:

Enérgico e resistente. Iniciativa, impetuosidade, audácia.

5. Vénus em Aquário:

Comportamento amoroso desprendido. Amor amizade. União livre e independente das convenções sociais.

6. Júpiter na Casa IX:

Grandes viagens; actividade filosófica de grande envergadura.

7. Neptuno (– significação do planeta reforçada por se encontra na casa X, a casa da relação com o mundo político e social):

No plano social, produz o anarquista ou o seu oposto, o comunista.

A renúncia a tudo o que é fácil, lutando pela felicidade do futuro, os contrastes profundos, a oratória, a política, as experiências científicas e sociais audaciosas, o misticismo religioso ou ateu, tudo isso está fortemente impregnado da influência de Neptuno.

Até aqui, pôde o leitor ver, conforme já assinalámos, que o acordo do perfil astrológico de Agostinho da Silva com a sua personalidade e o modo de a viver é bem evidente.

Procurarei, no seguimento, abraçar mais profundas considerações.

Considerar é uma das muitas palavras da língua portuguesa que hoje se usam tão afastadamente da sua etimologia, ou originalidade, que é como se esta estivesse para sempre perdida. Considerar tem íntima relação com sidério e com sideral. Lembre-se de Fernando Pessoa “o Sul sidério” que “esplendia sobre as naus da iniciação.” O próprio Agostinho da Silva deu a um dos seus livros o nome de Considerações, sabendo, bem consciente do étimo, que o Céu e a Terra se combinam para urdir os problemas da humanidade, mas também para os resolver.

Admitido que assim seja, sem contudo pôr de parte o que nos disseram os astrólogos e mais alguma coisa que ainda terão para nos dizer, vamos olhar a carta do céu do nosso filósofo, vendo nela um espelho dos altos lugares onde viajam os deuses e donde contemplam o Uno e reúnem o disperso. Porquanto os astros eram, num certo sentido ou sob o seu cosmológico aspecto, identificados com os deuses por gregos e romanos.

Tracei o horóscopo, que estamos considerando, em Brasília, onde primeiro convivi com Agostinho e entreguei-lho com a respectiva explicação astrológica. A meu pedido tinha-me dado a hora, o dia e o ano do seu nascimento. E em vez do Porto, deu-me como o lugar onde isso terá acontecido a terra da sua identidade espiritual, Barca de Alva. Os meridianos são próximos um do outro; do Porto, onde se formou na Escola de Leonardo Coimbra, saiu para capitanear com outros seus pares o movimento atlântico do pensamento português.

Ele não precisava de ter desenhado num papel a sua carta do céu. Tinha-a em si, por tê-la escolhido, porque a recebeu como a forma da sua alma no momento em que saiu das trevas para a luz. E foi como que contemplando essa forma que fez a sua vida e o seu pensamento. Procurando ver alguma coisa no que para nós só pode ser penumbra pediremos à mitologia o que a astrologia mal conseguiu dar-nos.

O principal dado que recebemos da astrologia e que a mitologia irá aprofundar é o de Mercúrio ser a dominante do horóscopo, pois não só se encontra dignificado por estar em Aquário, e por formar com a Lua e com Neptuno aspectos altamente benéficos, mas sobretudo porque os dois signos considerados como os seus domicílios, o duplo espaço do seu reino, estarem, um que é Gémeos no alto do céu, o outro que é a Virgem no Ascendente, ali onde o Céu toca a Terra e todos os astros emergem do hemisfério inferior para o hemisfério superior.

Mas Mercúrio é um deus. É o deus vadio; vagabundeando, faz todas as ligações, a ligação do Céu com a Terra e com o Inferno, dos homens uns com os outros, unindo-os até no mal pelo que eles têm de santo, como o dinheiro, até no bem, o faz no que eles têm de execrável e que é o seu aspecto negativo ou sombrio, porquanto todos os deuses têm duas faces, aquela que é cada um deles e a que é o seu não-ser. O nada de uma rosa é o vazio que guarda a sua forma, não é igual ao nada de uma açucena.

Em Agostinho da Silva, ele é o detentor do caduceu, aquela vara de ouro, que lhe foi dada por Apolo em troca de uma flauta, da flauta que inventara juntamente com a lira. Recebeu assim do seu irmão, porque são ambos filhos de Júpiter, o poder taumatúrgico que a vara confere a quem é seu senhor. Atirou-as para o meio de duas serpentes que lutavam uma com a outra e logo os dois répteis, atraídos pela sua força magnética, deixaram a sua condição de rastejantes, enroscando-se em volta, harmonizando-se entre si, um de cabeça para baixo e o outro de cabeça para cima; todos os livros em que vem narrado este momento do mito identificam as duas serpentes com o bem e com o mal.

Há um texto de Agostinho em Considerações, ia a escrever contradições, admirável texto em que está bem evidente o perfeito acordo do seu pensamento com o seu ser íntimo, tal como podemos imaginá-lo através do horóscopo. Tem por título Quanto a Deus. Diz o seguinte:

“Limitamos Deus atribuindo todos os males ao Diabo. Uma infinita bondade e uma infinita justiça, despidas de todo o pensamento que a moral condena, fazem suspeitar que se empregou na construção uma escala demasiado humana; mais uma vez nos julgamos os senhores absolutos do mundo; mais uma vez nos quisemos centro do universo e nos vimos tratados com atenção e carinho especiais.

Não ousou o homem pôr a maldade entre os atributos de Deus e pecou primeiramente porque foi estreito; e de novo pecou porque foi tímido. Consolava-o a ideia de uma protecção sempre possível e a mente, que se não levantava ao total, só pôde conhecer a explicação infantil e lógica dos dois demiurgos. Fugimos da aspereza e erguemos um palácio de fadas, esplêndido e seguro, mas enervante e mole; tememos a vida e a vida se vingou.

Atelier 26 de Maio de 2013











terça-feira, 23 de julho de 2013

Eduardo Lourenço revisitado - Cultura - Notícias - RTP - A recusa das certezas

Eduardo Lourenço revisitado - Cultura - Notícias - RTP

Eduardo Lourenço - Um tempo e as suas cinzas




Por ocasião dos 90 anos de Eduardo Lourenço, a BNP apresenta uma mostra que reúne sobretudo materiais do acervo do autor, mas também da Coleção de João Nuno Alçada, designadamente bibliografia de e sobre Eduardo Lourenço, manuscritos, fotografias, cartazes, recortes de jornal, entre outros. A mostra apresenta desde boletins de matrícula e cadernetas escolares de Eduardo Lourenço até aos manuscritos das suas principais obras, alguns corrigidos a lápis pela mulher Annie Salomon, às obras impressas, respetivas traduções, correspondência com as editoras, entre outros.

Coimbra 13-9-53

«Tudo quanto toquei me formou e deformou. Como um búzio desejei guardar o mar dentro de mim. De todas as experiências, a que me marcou mais fundo foi a literatura. Nunca fui leitor de um só livro. Isto não é um elogio. É uma verificação e uma melancolia. Seria impossível para mim mesmo estabelecer qualquer hierarquia entre as influências sofridas. Foram inumeráveis, constantes e contraditórias. Durante muitos anos pensei que isso me incapacitasse para chegar a ver claro, e por mim mesmo, o fundo das questões que importam na vida. Tive medo que se cumprisse o vaticínio da cristã fervorosa e simples que era minha mãe: ”leste tanto que tresleste”. Nem ela sabia até que ponto a sua lucidez materna acertava no alvo. Creio que, apesar de tudo, no fundo do seu coração, não o acreditava. Eu debatia-me numa torrente onde nenhum amor me podia socorrer. Apesar disso nunca perdi a esperança de encontrar uma saída para a confusão e o tumulto desse mundo escrito que pouco a pouco trocara pelo mundo real.

Seria cego se pensasse que encontrei por fim essa saída. Todavia já não me sinto perdido como sentia. De uma forma misteriosa para mim mesmo o caos de todos estes anos lidos foi-se organizando e agora o tumulto das coisas, das ideias, dos acontecimentos, das opiniões e dos valores, em vez de me arrastar após si, permanece em frente do meu espírito. Posso tocá-lo, compará-lo, colocá-lo aqui e ali, pondo à distância. Em suma, pareço um pouco mais o dono dele e posso apascentá-lo como o incomparável Caeiro ao rebanho dos seus pensamentos.

O que se passou ao longo destes anos da minha educação foi talvez mais simples do que eu imaginara. Falei de influências e nada mais exacto. A verdade é um pouco diferente. Fui durante muitos anos, na infância e na adolescência, uma argila moldável mas nunca me assemelhei à cera. O fogo endureceu-me, não me dissolveu. O meu inimigo mortal, cedo o suspeitei, foi o amor. Ele me destruiu antes que a vida, com o seu tormento misericordioso, me tocasse. Sem os livros onde se ama e se é amado por procuração, o meu destino teria sido o da estátua de sal, com o deserto de amor à minha volta. Com os livros foi o de um labirinto atapetado de olhares familiares que, como nos sonhos, piedosamente me assassinam.»



Eduardo Lourenço






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19 de Junho de 2013 - Descobrir os Descobridores + Pasteis de Belem