quinta-feira, 25 de julho de 2013

O Horóscopo de Agostinho da Silva












O Horóscopo de Agostinho da Silva


AGOSTINHO DA SILVA EM SESIMBRA




O Horóscopo de Agostinho da Silva
No filme que fizeram sobre a vida de Agostinho da Silva, há, logo de início, um momento em que ele aparece a dizer mais ou menos isto:

“Nasci no Porto, mas onde eu queria nascer era em Barca de Alva, pois antes de nascer foi a ela que escolhi. Os deuses que movem os astros quiseram fazer a minha vontade, mas como se trata de relações de grandes movimentos não conseguiram ser exactos e daí o Porto em vez de Barca de Alva.”

O que Agostinho continuaria a dizer, se aquilo não fosse um filme, ou que terá continuado a dizer e que o filme não registou é que, tendo nascido no Porto e, logo, muito pequenino, tenha ido com os pais para Barca de Alva, não fez mais do que lançar-se ao mar, afastando-se do porto numa barca capitaneada pela deusa do nascer do dia.

Para quem lê Platão e, para o que vem ao caso, a República ou como quer o seu melhor tradutor, o Elísio Gala, a Politeia, é-lhe fácil calcular que, ao dizer aquilo de ter escolhido Barca de Alva, Agostinho da Silva tinha presente o mito de Er, mediante o qual Platão ensina que as almas, preexistentes à vida na terra, escolhem, cada uma delas, o que gostariam de ter nesta vida, não só o lugar, mas o que daí se segue até morrer.

Assiste-me então o direito, nesta conversa convosco, de pegar na carta astral de Agostinho da Silva para nela procurar ver aquilo que de essencial ele escolheu para que a sua vida na terra seguisse de acordo com o seu mais fundo desejo que foi, como se verá, o de moldá-la pelo arquétipo da alva.

Da alva ou da navegação? Sem dúvida de ambas, como se significa no nome da terra em que nasceu, iluminado do nome da terra para onde foi viver. O que será confirmado pelo horóscopo.

Vou tentar interpretá-lo seguindo dois caminhos combinados um com o outro: o caminho dos astrólogos que tomarei consultando um bom livro da especialidade e o caminho da razão poética ou da mitologia, porquanto é à mitologia que os astrólogos vão buscar os nomes dos astros e dos signos.

Comece-se, pois, pelo tal livro de Astrologia. O leitor que conviveu com Agostinho da Silva pessoalmente ou através do que ele fez, disse e escreveu ficará de certo impressionado por ver que tudo condiz entre horóscopo e horoscopado. Referirei apenas o essencial:



1. Sol em Aquário:

Aberto às ideias de vanguarda, vê as relações humanas de uma forma despreconceituosa e informal.

2. Mercúrio em Aquário:

Intuição, rapidez e inteligência fulgurante.

Inventivo e aberto às ideias novas.

3. Lua em Balança:

Atracção pela música e pela poesia.

4. Marte em Carneiro:

Enérgico e resistente. Iniciativa, impetuosidade, audácia.

5. Vénus em Aquário:

Comportamento amoroso desprendido. Amor amizade. União livre e independente das convenções sociais.

6. Júpiter na Casa IX:

Grandes viagens; actividade filosófica de grande envergadura.

7. Neptuno (– significação do planeta reforçada por se encontra na casa X, a casa da relação com o mundo político e social):

No plano social, produz o anarquista ou o seu oposto, o comunista.

A renúncia a tudo o que é fácil, lutando pela felicidade do futuro, os contrastes profundos, a oratória, a política, as experiências científicas e sociais audaciosas, o misticismo religioso ou ateu, tudo isso está fortemente impregnado da influência de Neptuno.

Até aqui, pôde o leitor ver, conforme já assinalámos, que o acordo do perfil astrológico de Agostinho da Silva com a sua personalidade e o modo de a viver é bem evidente.

Procurarei, no seguimento, abraçar mais profundas considerações.

Considerar é uma das muitas palavras da língua portuguesa que hoje se usam tão afastadamente da sua etimologia, ou originalidade, que é como se esta estivesse para sempre perdida. Considerar tem íntima relação com sidério e com sideral. Lembre-se de Fernando Pessoa “o Sul sidério” que “esplendia sobre as naus da iniciação.” O próprio Agostinho da Silva deu a um dos seus livros o nome de Considerações, sabendo, bem consciente do étimo, que o Céu e a Terra se combinam para urdir os problemas da humanidade, mas também para os resolver.

Admitido que assim seja, sem contudo pôr de parte o que nos disseram os astrólogos e mais alguma coisa que ainda terão para nos dizer, vamos olhar a carta do céu do nosso filósofo, vendo nela um espelho dos altos lugares onde viajam os deuses e donde contemplam o Uno e reúnem o disperso. Porquanto os astros eram, num certo sentido ou sob o seu cosmológico aspecto, identificados com os deuses por gregos e romanos.

Tracei o horóscopo, que estamos considerando, em Brasília, onde primeiro convivi com Agostinho e entreguei-lho com a respectiva explicação astrológica. A meu pedido tinha-me dado a hora, o dia e o ano do seu nascimento. E em vez do Porto, deu-me como o lugar onde isso terá acontecido a terra da sua identidade espiritual, Barca de Alva. Os meridianos são próximos um do outro; do Porto, onde se formou na Escola de Leonardo Coimbra, saiu para capitanear com outros seus pares o movimento atlântico do pensamento português.

Ele não precisava de ter desenhado num papel a sua carta do céu. Tinha-a em si, por tê-la escolhido, porque a recebeu como a forma da sua alma no momento em que saiu das trevas para a luz. E foi como que contemplando essa forma que fez a sua vida e o seu pensamento. Procurando ver alguma coisa no que para nós só pode ser penumbra pediremos à mitologia o que a astrologia mal conseguiu dar-nos.

O principal dado que recebemos da astrologia e que a mitologia irá aprofundar é o de Mercúrio ser a dominante do horóscopo, pois não só se encontra dignificado por estar em Aquário, e por formar com a Lua e com Neptuno aspectos altamente benéficos, mas sobretudo porque os dois signos considerados como os seus domicílios, o duplo espaço do seu reino, estarem, um que é Gémeos no alto do céu, o outro que é a Virgem no Ascendente, ali onde o Céu toca a Terra e todos os astros emergem do hemisfério inferior para o hemisfério superior.

Mas Mercúrio é um deus. É o deus vadio; vagabundeando, faz todas as ligações, a ligação do Céu com a Terra e com o Inferno, dos homens uns com os outros, unindo-os até no mal pelo que eles têm de santo, como o dinheiro, até no bem, o faz no que eles têm de execrável e que é o seu aspecto negativo ou sombrio, porquanto todos os deuses têm duas faces, aquela que é cada um deles e a que é o seu não-ser. O nada de uma rosa é o vazio que guarda a sua forma, não é igual ao nada de uma açucena.

Em Agostinho da Silva, ele é o detentor do caduceu, aquela vara de ouro, que lhe foi dada por Apolo em troca de uma flauta, da flauta que inventara juntamente com a lira. Recebeu assim do seu irmão, porque são ambos filhos de Júpiter, o poder taumatúrgico que a vara confere a quem é seu senhor. Atirou-as para o meio de duas serpentes que lutavam uma com a outra e logo os dois répteis, atraídos pela sua força magnética, deixaram a sua condição de rastejantes, enroscando-se em volta, harmonizando-se entre si, um de cabeça para baixo e o outro de cabeça para cima; todos os livros em que vem narrado este momento do mito identificam as duas serpentes com o bem e com o mal.

Há um texto de Agostinho em Considerações, ia a escrever contradições, admirável texto em que está bem evidente o perfeito acordo do seu pensamento com o seu ser íntimo, tal como podemos imaginá-lo através do horóscopo. Tem por título Quanto a Deus. Diz o seguinte:

“Limitamos Deus atribuindo todos os males ao Diabo. Uma infinita bondade e uma infinita justiça, despidas de todo o pensamento que a moral condena, fazem suspeitar que se empregou na construção uma escala demasiado humana; mais uma vez nos julgamos os senhores absolutos do mundo; mais uma vez nos quisemos centro do universo e nos vimos tratados com atenção e carinho especiais.

Não ousou o homem pôr a maldade entre os atributos de Deus e pecou primeiramente porque foi estreito; e de novo pecou porque foi tímido. Consolava-o a ideia de uma protecção sempre possível e a mente, que se não levantava ao total, só pôde conhecer a explicação infantil e lógica dos dois demiurgos. Fugimos da aspereza e erguemos um palácio de fadas, esplêndido e seguro, mas enervante e mole; tememos a vida e a vida se vingou.

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