sexta-feira, 29 de julho de 2011

António Lobo Antunes - Uma Longa Viagem


No armazém onde escreve, António Lobo Antunes alimenta-se da difusa claridade do criador premiado e com sucesso em todo o mundo mas, ao mesmo tempo, gasta-se na escuridão do homem marcado pelas vaidades que protagonizou no passado, por um dia de violência que não esquece em Angola e pela ausência de uma paixão que o cegue para a eternidade. Houve momentos suaves nestes meses de bastante conversa, mas não muitos, porque as suas confissões resultam do verdadeiro conflito que mantém com a vida, da contínua dificuldade em ouvir o que as vozes da literatura lhe dizem e da necessidade de deixar registado um trabalho inigualável quando comparado com os escritores contemporâneos.

Ao longo desta viagem, António Lobo Antunes sorriu e chorou, contou segredos e anedotas, blasfemou e perdoou, foi cruel com quem não se espera, nada simpático com os autores de bestsellers, deixou ver como concebe um livro do princípio ao fim, confessou o medo de um dia ser incapaz de iniciar um romance, desabafou sobre o amor falhado com a mulher da sua vida, radiografou as relações com a família, revelou o pânico de voltar a sofrer com o cancro, explicou porque é que já não espera quase nada dos anos que lhe falta viver e assumiu que as tendências suicidas ainda não o abandonaram. Uma entrevista que foi uma longa-metragem dos muitos medos e das poucas alegrias que fazem de António Lobo Antunes o único autor português que só vive para o ofício da escrita, mesmo que à beira do apocalipse pessoal.

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