segunda-feira, 7 de março de 2011

Quando os Lobos Uivam


Publicado em 1958, “Quando os Lobos Uivam” é talvez o romance mais conhecido de Aquilino Ribeiro e um dos últimos que escreveu. Já anteriormente “marcado” pelo regime salazarista, esta obra valeu-lhe um mandato de captura e a apreensão de todos os exemplares editados.

E o que faz deste romance algo “digno” de censura e o seu autor “persona non grata” para o regime?

Serra dos Milhafres, finais dos anos 40, o Estado Novo resolve impor aos beirões uma nove lei: Os terrenos baldios que sempre tinham sido utilizados para bem comunitário e onde essa comunidade retirava parte vital do seu sustento, seriam agora “expropriados” e esses terrenos utilizados para plantar pinheiros. Assim, sem mais nem menos, o Estado chega e diz que, a partir daquele momento, acabou.

Implanta-se um clima de medo nas gentes e é esse clima que Manuel Louvadeus, que havia emigrado para o Brasil anos antes, vem encontrar quando regressa à aldeia.

Homem vivido e culto devido, segundo o próprio, aos muitos livros que por lá havia lido, Manuel tem uma visão para os dois lados e um sentido de justiça que rapidamente o fazem cair nas boas graças das gentes do povo.

Toma então parte da sua gente, homens honestos e humildes que trabalham de Sol a Sol mas que não deixam de viver em condições miseráveis.

A revolta acaba por suceder e entre mortos e feridos tudo acaba numa caçada aos homens por parte da polícia que leva muitos homens à prisão acusados de serem instigadores e cérebros da revolta. O Estado mostra então todo o seu esplendoroso poder.

Obviamente que mais de 50 anos após a sua publicação muitos não entendem o porquê da censura, no entanto não é necessário grandes pesquisas para entender, até porque Aquilino Ribeiro é directo, não se refugia em metáforas ou alegorias.

Aqui representado está a saga dos beirões na defesa dos terrenos baldios perante a ditadura do Estado Novo.

Representado também, ou se quiserem, brilhantemente retractado, a miséria em que vivia o povo beirão que é apenas a mostra da maioria da população portuguesa da altura, assim como a sua ignorância que, sobretudo, grassava no interior de Portugal.

É normal que o romance tivesse enfurecido o regime. Aquilino Ribeiro é demolidor na forma como denuncia a natureza, prepotência e arrogância do Estado, mas vai mais longe, descreve o funcionamento dos Tribunais Plenários fascistas e a ligação do sistema judicial às classes dominantes do país. Estes tribunais que funcionaram de 1945 a 24 Abril 1974, foram um dos mais tenebrosos mecanismos repressivos. Aquilino denuncia a podridão desse mecanismo e da cumplicidade entre magistrados e polícia política.

Algo que me fascinou em Aquilino Ribeiro foi a sua escrita. Poética a forma como constrói a narrativa, utilizando expressões beirãs (confesso que muitas dessas expressões me eram totalmente desconhecidas) que nos situam temporalmente em simultâneo com uma descrição sublime das gentes, transmitindo-nos a sua humildade e a sua natureza que, no fundo, é a natureza, a raiz do povo português.

Enlevante nas palavras, na graça e ironia que coloca, na arte do saber escrever.

Um livro belíssimo, uma pérola da literatura portuguesa, um verdadeiro mestre da arte da escrita.

Compreendo agora porque José Saramago afirmou, quando ganhou o Prémio Nobel da Literatura, que se Aquilino Ribeiro estivesse vivo seria ele a receber o Nobel.

3 comentários:

  1. Não precisa de publicar o meu comentário.
    como é possivel publicar sem aspas estes textos que aparecem em outros sitios nomeadamente na sinoose do livro!!!

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  2. Aquilino Ribeiro foi um criador de literatura purificadora da língua Portuguesa imprimindo humor, poesia e ligeiro sarcasmo à sua escrita. Era considerado um excelente escritor e por isso, respeitado pelo chefe da ditadura (veja-se referência a Aquilino no diário de Salazar).
    Foram plantados muitos montes e apesar da resistência das populações, não fazia parte do vocabulário Português a "época dos fogos" e isso manteve-se até ao fim do consulado de Caetano. Se assim não fosse, com os meios que na altura se dispunha, não teria chegado uma árvore ao 25 de Abril.
    Qual foi o segredo para proteger a floresta da "indústria" dos fogos?
    Que diria Aquilino deste inferno que a democracia não sabe, não pode ou não quer eliminar? Que teria ele proposto que se fizesse ao incendiário e ao seu hipotético mandante?

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  3. Aquilino Ribeiro foi um criador de literatura purificadora da língua Portuguesa imprimindo humor, poesia e ligeiro sarcasmo à sua escrita. Era considerado um excelente escritor e por isso, respeitado pelo chefe da ditadura (veja-se referência a Aquilino no diário de Salazar).
    Foram plantados muitos montes e apesar da resistência das populações, não fazia parte do vocabulário Português a "época dos fogos" e isso manteve-se até ao fim do consulado de Caetano. Se assim não fosse, com os meios que na altura se dispunha, não teria chegado uma árvore ao 25 de Abril.
    Qual foi o segredo para proteger a floresta da "indústria" dos fogos?
    Que diria Aquilino deste inferno que a democracia não sabe, não pode ou não quer eliminar? Que teria ele proposto que se fizesse ao incendiário e ao seu hipotético mandante?

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